terça-feira, 5 de junho de 2012

O primeiro sermão de Meister Eckhart (Quint 57)



             No seu Primeiro Sermão (Quint 57), Meister Eckhart reflete sobre o chão da alma e a relação da alma com as figuras externas. Para ele, a presença do Deus Desconhecido no ser só pode ser concretizada no espaço vazio da alma, um espaço essencial e original que não pode ser ocupado por imagem alguma; é vazio em essência e IMPERCEPTÍVEL pelos sentidos.
            Sobre a alma, é dito que todo trabalho que ela exerce é feito com suas forças; a compreensão pelo intelecto, a lembrança pela memória e o ato de amar por meio da vontade. Logo sua atuação provém da força, e não de sua essência. Seus atos de força são direcionados ao externo, enquanto a essência da alma não exerce atividade alguma: "Todo ato externo está ligado a algum meio[...] Mas na essência da alma, ali não ocorre atividade alguma, pois as forças ali empregadas provêm do chão do ser." Este "chão do ser" seria acessível APENAS por Ele.
Entrada de Meister Eckhart na igreja de Erfurt, com a inscrição "Das Licht leuchter in der Finsternis, und die Finsternis hat es nicht erfasst." (A luz brilha nas trevas e as trevas não prevalecerão contra ela)

           A alma utiliza dos sentidos para que interprete as imagens exteriores, o que corresponde ao “dar sentido”; um homem não pode interpretar a figura de um menino como a figura de um cavalo, pois o sentido vem de fora através dos sentidos e é percebido pela alma. Nada vem de dentro, portanto torna-se impossível perceber o que opera na essência e como se dá o processo. Sendo assim, a percepção é limitada nas imagens externas que chegam até a alma e queda impossível à alma possuir uma imagem de si mesma, ela carece de tal.
           Dentro da gnose hiperbórea, afirma-se que dar sentido aos entes pode conformar um ato danoso ao processo espiritual. Dar sentido AFIRMA o mundo material a qual o iniciado exerce oposição. O mundo é repleto de formas em um sem-número de estágios evolutivos dentro da teoria do processo espiriforme finalizado na enteléquia, logo o virya que dá sentido despreocupadamente corre o risco de encontrar-se preso ou atraído pelo objeto em si, sendo este o passo inicial para uma eventual fagocitação.
          O problema da fagocitação também pode ser relacionado ao pensamento exposto no sermão. Eckhart se opõem à ideia de que nada há na alma senão imagens. Uma alma que contivesse apenas imagens jamais poderia ser abençoada, pois nenhuma criatura ou elemento externo, nenhuma imagem, pode ser a felicidade de uma pessoa. Obviamente a falta de felicidade ou senso de completude é resultado da carência de transcendência na vida do ser, pois a falta desse princípio equivale ao encerramento das possibilidades mitológicas interiores e, logo, do processo psicológico de totalidade – isso se nos atermos ao campo gnosticamente limitado da psicologia; sobre isso Jung já dissera:

"A carência do sentido impede a plenitude da vida e significa, portanto, doença. O sentido torna muitas coisas, talvez tudo, suportável. Jamais alguma ciência substituirá o mito e jamais o mito poderá nascer de alguma ciência."(JUNG, C. 1986, p.111)

           Dessa forma, o frade coloca que deve-se postar no chão, na essência, que é o único lugar isento de imagens e onde pode vir a surgir o contacto com o Deus Desconhecido em sua essência simples. Sendo que não temos imagem alguma exceto aquelas externas a nós, pois a alma não projeta uma imagem própria, a felicidade através de qualquer imagem é impossível. O senso de plenitude procede de uma transcendência na essência, no chão da alma, na origem, e essa mesma elimina o perigo da fagocitação no externo.
          Estando ciente do que é a percepção do externo, surge o conceito do aquietamento e do silêncio, da Abgeschiedenheit, para que de tal forma se manifeste a obra ISENTA DE IMAGENS. Meister Eckhart nos diz que aquele que vive uma vida de retidão nos ensinamentos de Jesus Cristo e tem uma boa conduta natural, que atue dessa forma sem perceber, deve exercer o silêncio para que o Deus Incognoscível atue na parte interna da alma, e assim que todas as forças forem retraídas de todos os seus trabalhos e imagens a "palavra secreta" (DUM MEDIA SILENTIUM TENERENT OMNIA ET NOX IN SUO CURSO MEDIUM ITER HABERET, ETC. Sap 18:14) poderá ser dita. Valendo-se dos conhecimentos hiperbóreos, pode-se traçar uma analogia do exposto pelo frade até o Virya que, estando familiarizado com a ética noológica e com a tipologia que não é lúdica nem sacralizante, age com os princípios do espírito de forma NATURAL e já não necessita mais de constantes referências externas para vivenciar sua forma natural, já tocada pelo Selbst. E, nessa práxis, pode suceder a manifestação do que nos é análogo à "palavra oculta"; o canto dos siddhas eternos, a língua dos pássaros, o mistério rúnico, toda aquela essência que está inclusa no espírito e não pode, pelo que já foi exposto no texto, ser representada inteiramente com símbolos externos pois CARECE DE SENTIDO NO MUNDO EXTERIOR. Certos textos gnósticos recentes propuseram o fim do diálogo interior – me refiro a Herrou Aragón - como forma de se aproximar mais da essência espiritual, pensamento que cabe perfeitamente dentro da proposta dessa análise hiperbórea do tema. Esse silêncio puramente hiperbóreo, o desprezo pelo material, vinculado ao atuar hiperbóreo não resulta numa ascese negativa ao iniciado, mas na possibilidade de superioridade e vantagem estratégica dentro do Valplads para uma ação livre de capturas energéticas e psíquicas, assim com a proximidade e emergência do SIGNO DE ORIGEM.
           Como encerramento, cito o sermão onde Meister Eckhart faz referência a outros dois pensadores:

Um mestre pagão disse-o bem, ao constatar de certa feita:
"Estou ciente de que algo brilha em minha compreensão: posso nitidamente discernir de que se trata, mas o que é isto - não posso saber. E contudo, se o pudesse possuir, saberia tudo que há para ser sabido."

E também cita a Santo Agostinho:

"Percebo que algo brilha e fulgura diante de minha alma: se estivesse plenamente aperfeiçoado e estabilizado, por certo seria a vida eterna!"


Naturalmente, el Signo del Origen sería incomunicable puesto que sólo puede ser visto por quien posee previamente, en su sangre, el Símbolo del Origen.” El Misterio de Belicena Villca p.27

Así se sintetizaría la Sabiduría de Navután: quien comprendiese el alfabeto de dieciséis Vrunas comprendería la Lengua de los Pájaros. Quien comprendiese la Lengua de los Pájaros comprendería el Signo del Origen. Quien comprendiese el Signo del Origen comprendería a la serpiente. Y quien comprendiese a la serpiente, con el Signo del Origen, podría ser libre en el Origen.” El Misterio de Belicena Villca p.28

ECKHART, Meister. Os sermões alemães completos. Tradução de Marcos Beltrão.
JUNG, Carl. Memórias, sonhos e reflexões. Editora nova fronteira: 1986. Tradução de Dora Ferreira da Silva.